terça-feira, 26 de janeiro de 2010

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ASSIM FALAVA MEU PERIQUITO
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Tive um periquito australiano, desses que nascem em cativeiro. Mas o meu foi criado solto até perceber para que serve um par de asas. Logo nos primeiros vôos ganhou o mundo para se juntar a outros passarinhos.
Dizem que periquitos não falam, como os papagaios. Pois o meu, além de falante, era de uma sabedoria e tanto. Em várias situações soprou-me, em tom suave e baixinho, coisas de arrepiar, verdades incontestáveis que até hoje ecoam em meus ouvidos. Com ele aprendi, por exemplo, que no reino animal os seres geralmente são bem parecidos: têm corpo, com entranhas e membros, e uma cabeça, com olhos, ouvidos, boca e miolos.

Nesse sentido, bicho e gente se parecem mesmo. Mas a vida do bicho-gente não combina em nada com a do bicho-bicho. Bichos não contam (acho que nao contam) intervalos do tempo, nem dias e semanas e meses e anos, nem interfere de forma brutal na natureza. Já o bicho-gente, que se julga racional e senhor de tudo, vive na maior correria. E como perpetua a idéia de que é preciso batalhar feito máquina pela sobrevivência, custe o que custar, se avolumando cada vez mais em manadas neste sentido, principalmente nas grandes cidades.
De fato. Gente se amontoa diariamente como gado nas ruas, escancarando tristeza crônica e indiferença, sobretudo nos períodos em que se locomove entre casa e trabalho. Cada um com seu fardo de interesses e ressentimentos, agindo com uma gana astuta que é de fazer dó, preso a um sistema que aliena e escraviza.
Meu periquito sempre achou a vida urbana artificial e caótica, alimentada pela hipocrisia de uma lógica consumista que não dá pra aceitar como coerente. E ficava fulo de ver como, na contramão desse pensamento, cada vez mais pessoas se tornam urbanas e materialistas. Com toda razão, ele não se cansava de me dizer que o bicho-gente ainda vai se dar muito mal por conta disso.